ENCONTRO DECORREU NO QUADRO DAS CELEBRAÇÕES DO DIA DE ÁFRICA
O Presidente da República de Angola e também Presidente em exercício da União Africana, João Lourenço, manteve hoje um encontro em Brasília com os embaixadores africanos e da Comunidade do Caribe (CARICOM) colocados na República Federativa do Brasil.
A interacção entre o Presidente João Lourenço e o grupo de diplomatas aconteceu para assinalar o Dia de África, comemorado a 25 de Maio (amanhã).
No encontro, foi referido o simbolismo de um encontro desta natureza ter lugar num país como o Brasil, que recebeu, no período infame da Escravatura, quase 5 milhões de africanos, a sua grande maioria proveniente de Angola.
O Caribe - lembrou a diplomata Tonica Thompson, decana dos embaixadores dessa região - recebeu 3 milhões de escravos arrancados a África durante o Tráfico Negreiro.
Por essa sangria violenta sofrida pelo continente africano, disse-se no encontro, faz todo o sentido que se coloque na actualidade o tema das “reparações”, ou seja, a compensação pelo trágico estrago feito ao povo de África. “As reparações não se trata de culpa mas de responsabilidade”, afirmou, convictamente, a embaixadora Tonica Thompson, porta-voz do grupo CARICOM.
♦️O QUE DISSE O PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO NO ENCONTRO
Depois de ouvir os representantes dos diplomatas de África (decano embaixador dos Camarões, Martin Beng) e do Caribe (decana embaixadora de Barbados, Tonica Thompson) mais uma intervenção adicional da PCE da Agência de Desenvolvimento da União Africana (AUDA-NEPAD), Nardos Bekele-Thomas, o Presidente da União Africana fez as seguintes considerações:
“ Senhor Ministro Téte António;
Senhor Martin Beng, Embaixador da República dos Camarões e Decano do Grupo Africano;
Senhora Tonica Thompson, Embaixadora de Barbados e Decana do Grupo de Países que Constituem o CARICOM;
Senhora Nardo Bekele, Presidente do AUDA-NEPAD;
Caros Senhores Embaixadores dos Países Africanos e dos Países que Constituem o CARICOM;
Minhas Senhoras e Meus Senhores;
Nós estamos a um dia de comemorarmos todos mais um aniversário do dia do nosso continente, que acontecerá amanhã, 25 de Maio.
Por isso, eu considero que este encontro de hoje, aqui na cidade de Brasília, pode enquadrar-se perfeitamente no âmbito das comemorações do Dia de África.
Na minha qualidade de Presidente em exercício da União Africana, não poderia deixar de aproveitar esta oportunidade que me dão, para manter este breve encontro com o continente e com os nossos irmãos africanos da diáspora, não só do Caribe, mas também daqui da América do Sul, do Brasil, da Colômbia, dos países que têm o maior número de afrodescendentes.
O nosso continente enfrenta grandes desafios e eu gostaria de começar por aquele que acaba por ser o grande entrave ao nosso desenvolvimento, que é a questão da insegurança no continente, a problemática da paz e da segurança no nosso continente.
Quando estamos a apenas cinco anos da data em que supostamente deveríamos ver silenciadas as armas, portanto 2030, ao invés de vermos a redução das guerras e dos conflitos armados no nosso continente, antes pelo contrário, o que temos vindo a assistir, ultimamente, é precisamente ao surgimento de novas guerras e novos conflitos no nosso continente.
Há uns anos, quando se falasse de conflitos em África, olhávamos, sobretudo, ali para a região do Sahel, onde foram constituídos grupos terroristas que desestabilizavam os países da região, da Nigéria, do Burkina Faso, do Mali, do Níger, do Tchad, alegadamente devido à situação em que repentinamente caiu a Líbia após a morte do Presidente Kadafi.
Mas, hoje, quando falamos de insegurança no nosso continente, já não olhamos apenas para o Sahel, ou se olhamos não é apenas com a preocupação do terrorismo, mas também com a preocupação das mudanças inconstitucionais de regime.
Como se não bastasse, outros conflitos ou surgiram ou perduram. Velhos conflitos, como por exemplo o do Leste da República Democrática do Congo, onde sempre proliferaram forças negativas, mas que acabaram por culminar com o confronto quase directo entre países vizinhos, nomeadamente entre a República Democrática do Congo e o Ruanda.
O Sudão, de igual forma, é um país cuja situação de guerra nos preocupa, quer o Sudão, quer o Sudão do Sul, onde a paz também é bastante frágil e que, de quando em quando, vai nos pregando alguns sustos.
Moçambique conhece também uma situação de terrorismo, de instabilidade em parte do seu território, nomeadamente ali na província do Cabo Delgado, o que significa que uma das grandes responsabilidades da União Africana é trabalhar no sentido de, efectivamente, conseguirmos alcançar esse objectivo do calar das armas em todo o nosso continente.
Os países do Corno de África, nomeadamente a Somália, também preocupam a União Africana, uma vez que o terrorismo, e não só, tem também impedido o desenvolvimento daquela parte do nosso continente.
Vamos trabalhar arduamente, sem desistência, sem pessimismo. Temos de acreditar que a paz definitiva chegará a todas essas regiões a que acabei de me referir, ao Sahel, à região dos Grandes Lagos, ao Sudão, ao Corno de África, à SADC, nomeadamente em Moçambique, e, de uma forma geral, em todo o nosso continente.
Um outro desafio que o nosso continente enfrenta é o desafio do desenvolvimento, que tem alguma ligação com a situação de paz e segurança do continente.
O desenvolvimento há-de acontecer mais facilmente ali onde houver paz. Costuma a dizer-se que o capital, o investimento, é alérgico ao troar dos canhões, é alérgico ao conflito. Onde há conflito, o dinheiro foge, o capital foge, o investimento não surge.
Portanto, as duas coisas têm que seguir em paralelo. Ao mesmo tempo que combatemos as guerras, os conflitos, temos também que cuidar do desenvolvimento do nosso continente.
O desenvolvimento tem várias facetas, mas uma das principais é, sem sombra de dúvidas, a necessidade de investirmos mais em infra-estruturas para garantir esse mesmo desenvolvimento.
Não é por mero acaso que nós promovemos um encontro em Luanda entre a AUDA-NEPAD - cuja presidente está aqui presente -, e a Aliança das Instituições Financeiras de Crédito Africanas.
Este encontro teve lugar há menos de 15 dias, em Luanda, e nós consideramos ter sido um encontro bastante valioso, uma vez que conseguimos, pela primeira vez, juntar, numa única reunião, as diferentes instituições financeiras de crédito africanas, e que saíram de Luanda com a missão, com a responsabilidade, de ajudarem a liderança da União Africana, através da AUDA-NEPAD, a mobilizar recursos financeiros para que sejam realizados os investimentos em infra-estruturas a nível do nosso continente.
Infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias, portuárias, aeroportuárias, de produção de energia, de produção de água, de transportação de energia, de telecomunicações, de forma a garantirmos que o nosso continente possa ter um desenvolvimento sustentável.
A situação ridícula que vivemos hoje, em que o cidadão de um país africano, para se deslocar a outro país africano, não consegue meter-se no seu carro, ou apanhar o autocarro e, por uma autoestrada, ligar o seu país a outro país, chegar a outro país…
Muitas vezes tem que dar uma volta muito grande, por carência dessas mesmas infra- estruturas que deviam ligar os nossos países;
Há casos mesmo caricatos em que, para sairmos de um país africano para outro, temos que ir até à Europa e depois voltar, temos que ir até Paris ou até Londres e depois fazer o regresso para África, para o país africano para onde pretendemos ir;
Ou mesmo dentro do continente, de qualquer parte em que nos encontramos, apanhamos um voo para irmos até à Etiópia ou até Joanesburgo, para a partir daí irmos para o país de nosso interesse;
Precisamos acabar com isso, precisamos, de facto, de fazer um grande investimento em infra-estruturas que vão facilitar a mobilidade, em infra-estruturas que vão interligar a energia dos vários países africanos.
O nosso continente é pouco industrializado, é essencialmente agrícola. No entanto, nós temos a ambição de fazer dos nossos países também países industrializados, a exemplo do que é a Europa, do que são outros países, quer do continente americano, quer asiático.
Mas não é possível industrializar-se um país sem energia. Sem energia não há indústria. Portanto, a necessidade de um investimento em energia é muito grande.
Paradoxalmente, é o nosso continente que tem os maiores rios, onde poderiam ser construídas “ene” barragens hidroeléctricas para a produção de energia suficiente para o continente e, consequentemente, as linhas de transportação para levar a energia produzida para as zonas de consumo, para os países que necessitam dela, mas a electrificação do nosso continente conhece taxas muito baixas, porque temos a possibilidade de construir as fontes de energia, sobretudo energia limpa e barata, que é a hidroeléctrica. Mas falta-nos capital, falta-nos recursos, às vezes, falta-nos a visão de o fazermos para que possamos ter a energia suficiente para sonharmos em industrializar o nosso continente, em transformar as nossas matérias primas, acrescentar valor, dar emprego aos nossos cidadãos, aos nossos jovens e, desta forma, evitarmos aquele espectáculo triste que todos os dias vemos dos nossos jovens a morrerem no Mediterrâneo à procura do paraíso na Europa, onde na maioria dos casos ou não chegam lá, ou se chegam, é uma ilusão muito grande, porque o tal paraíso afinal não existe. Pelo menos, para eles não existe.
Este é, entre outros desafios, um dos grandes que temos por superar. E ouvindo um pouco a decana dos países do Caribe, recordo-me que o lema deste ano da União Africana é justiça para os africanos e afrodescendentes através das reparações.
Houve uma primeira cimeira, uma primeira cúpula que uniu a União Africana, portanto, os países do continente, com os países do Caribe, mas, repito, não devia ser só do Caribe. Não podemos esquecer da grande comunidade afrodescendente aqui mesmo no Brasil onde estamos, e na Colômbia.
A diáspora africana, de uma forma geral - e nós estamos a pensar em realizar uma segunda cimeira, uma segunda cúpula com o mesmo espírito, e já para materializar esta máxima de justiça para os africanos e afrodescendentes através de reparações - também este ano, para não só passarmos em revista, fazermos o balanço do que foi feito entre aquela primeira cúpula e esta que pensamos realizar, como também perspectivarmos o futuro.
A senhora decana falou da necessidade de haver alguma ligação aérea entre, pelo menos, um país do Caribe e o continente.
Há uma ligação ou há várias ligações entre o continente e o Brasil. Talvez fosse uma questão de se fazer uma extensão desses voos que fazem a ligação entre o continente e o Brasil, que está aqui perto da região do Caribe.
Vamos pensar nisso muito seriamente e ver com as diferentes companhias aéreas africanas, ou talvez mesmo brasileiras, se poderíamos fazer essa ligação com uma das ilhas do Caribe, para que os nossos irmãos do Caribe tenham a facilidade de contacto, de negócios, e não só, com os países do continente.
Portanto, mais uma vez, muito obrigado por esta oportunidade que me é dada.
Viva África e muito obrigado! “